quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O SBT

O fraco desempenho de O Dono do Mundo, em seu início, tem e muito a ver com o SBT. É evidente que a rejeição à trama colaborou para que a audiência caísse, mas talvez a fuga de telespectadores não fosse tão intensa senão houvesse no canal ao lado uma boa opção para o público. E por boa opção, entenda-se, as novelas Carrossel e Rosa Selvagem, que estrearam no mesmo dia que a concorrente global.

Ambas eram rivais de O Dono do Mundo no horário. Carrossel se iniciava às 20h, já roubando preciosos pontos do Jornal Nacional. Às 21h, entrava no ar Rosa Selvagem. A novela infantil sempre registrou índices maiores do que sua sucessora, que foi, em muito, impulsionada por ela e favorecida pela crise que se abateu sobre a trama de Gilberto Braga. O sucesso de ambas levou o SBT a investir cada vez mais nas novelas mexicanas, levando O Dono do Mundo a bater de frente com outros três títulos: Simplesmente Maria, Quinze Anos e Ambição.

Carrossel
Produzida pela Televisa em 1989, Carrossel se tornou um fenômeno infantil tão logo se iniciou a sua exibição no SBT. Seus personagens eram populares, sua música-tema grudou feito chiclete, e um sem número de artigos, incluindo LPs, fitas K7 (tive o Carrossel Dois: Professora Helena cantando com as crianças) e álbuns de figurinhas se reproduziram pelo mercado. A trama, exibida por aqui entre maio de 1991 e abril de 1992, trazia como protagonista a doce professora Helena (Gabriela Rivero), sonho de dez entre dez crianças na época. Ela administrava o conflito de seus alunos, em especial o de Cirilo (Pedro Javier Viveros), menino pobre e negro, apaixonado pela mimada Maria Joaquina (Ludwika Paleta). Guardo boas recordações da novela, que acompanhei não só em 91, como nas reprises de 93 e 95. Lembro do carrinho motorizado que Cirilo ganhava do pai, quando este acertava na loteria, e do acidente envolvendo a mãe de Maria Joaquina. As outras crianças também ajudaram a fazer o sucesso de Carrossel: a gordinha Laura (Hilda Chavez), o fortão Jaime Palilo (Jorge Granilo) e a doce Marcelina (Georgina Garcia). O SBT levou ao ar uma versão brasileira da novela, em 2012, também com merecido sucesso.

Rosa Selvagem
A atriz Verónica Castro se tornou popular no Brasil com Os Ricos Também Choram, primeira produção mexicana exibida pelo SBT. Em 1991, Verónica voltou a arrebatar os telespectadores daqui como Rosa, de Rosa Selvagem. A novela de 1987 estreou juntamente com Carrossel e se estendeu até 04 de outubro de 1991, antes do término de O Dono do Mundo. Rosa era praticamente um menino, de tão mal ajambrada que vivia. Um dia, roubando maçãs do quintal de uma mansão, conhece o milionário Ricardo (Guillermo Capetillo), que se casa com ela apenas para importunar suas irmãs ambiciosas, Dulcina (Laura Zapata) e Cândida (Liliana Abud). Lembro de acompanhar Rosa Selvagem na reprise de 1993, na faixa Novelas da Tarde.

Simplesmente Maria
A empregada Maria (Victoria Ruffo) é iludida pelo patrão, que a engravida e a abandona. Anos depois, a moça ascende socialmente, o que a leva a reencontrar seu antigo amor. O argumento já era havia inspirado uma produção da Tupi e retornava ao ar em 09 de setembro, numa versão mexicana. Entre Carrossel e Rosa Selvagem, o SBT passou a exibir Simplesmente Maria, dando início a uma fórmula empregada até hoje pela emissora, que visa manter o público de uma produção que se encerra (no caso, Rosa Selvagem) para outra que está começando. E, nessa primeira tentativa, já apresentou bons resultados. Embalada pela novela infantil, Simplesmente Maria, registrou em seu início, impressionantes 23 pontos. Carrossel, nesse momento, já não batia de frente com O Dono do Mundo por muito tempo, uma vez que a grade havia sido alterada.

20h15 Carrossel
20h45 Simplesmente Maria
21h15 Rosa Selvagem

Quinze Anos
Com o término de Rosa Selvagem, Simplesmente Maria passou a ocupar a faixa das 21h15. Mas o SBT manteve três novelas em sua grade noturna, estreando, logo após Carrossel, a novela juvenil Quinze Anos, que trazia em seu elenco duas das maiores estrelas mexicanas, em início de carreira: Adela Noriega e Thalia. A trama, que debatia os conflitos de Maricruz (Adela) e Beatriz (Thalia), duas adolescentes precisando enfrentar a vida adulta que se aproximava, durou pouco na tela do SBT, apesar dos bons índices, chegando ao final em 30 de novembro.

Ambição
Uma das novelas mexicanas mais cultuadas de todos os tempos foi a última a disputar audiência com O Dono do Mundo. Talvez você não se lembre da estória, mas certamente irá se recordar da vilã do tapa-olho Catarina Creel (María Rubio), reverenciada até mesmo pela teledramaturgia brasileira (em Aquele Beijo, de Miguel Falabella). A trama policial destoava do tom lúdico de Carrossel e do dramalhão de Simplesmente Maria. Talvez esse diferencial explique o sucesso da novela. Vale a pena destacar aqui o anúncio do SBT para promover a estreia de Ambição, citando O Dono do Mundo.

Ambição, a nova novela do SBT!
Já que o Felipe ficou bonzinho e a Márcia já não quer mais vingança, assista a uma novela onde as intrigas vão começar agora.

Você lembra como o Felipe era ambicioso? E é esta ambição toda que você vai ver na novela que estreia dia 2 no SBT. Ambição começa com uma misteriosa morte. E o que é melhor: a morte de um grande milionário. A história esquenta quando Alexandre, o filho do milionário, e Vilma, a jovem esposa de Alexandre, assistem à leitura do testamento. Você não tem ideia do que esta herança provoca. Mas dá pra imaginar que não vai faltar muita intriga, grandes paixões, casamentos por conveniência e suspeita a respeito da morte. Será que Catarina, a viúva do milionário está envolvida? Será que Catarina é mais maldosa do que a Constância e a Karen juntas? Não perca Ambição, a nova novela do SBT, de segunda a sábado, após a novela Carrossel. Uma novela onde os maus são maus mesmo e os bons são realmente bons.

O burburinho em torno destas tramas foi intenso e nós resgatamos aqui algumas matérias sobre o episódio: uma entrevista com Silvio Santos, sobre o fenômeno de audiência que se revelou as mexicanas e quatro Cartas e Cartazes, ótima coluna de José Eustáquio Lopes Jr. do também ótimo SBTpedia. À José Eustáquio e aos demais colaboradores do blog, nosso agradecimento pela cessão dos textos.

***

Silvio Santos diz que sua emissora vai continuar brega para sobreviver

Se a Globo não estiver satisfeita com Gilberto Braga, autor de O Dono do Mundo, o SBT ficaria feliz em contratá-lo. Quem diz isso é Silvio Santos, dono do Sistema Brasileiro de Televisão, emissora que desestabilizou a Rede Globo exibindo novelas mexicanas. Em entrevista à Folha, ele afirma que vai continuar a ser brega se isso garantira sobrevivência do SBT.

Silvio informa que tem na prateleira novelas norte-americanas, venezuelanas e italianas, entre outras. Ele pretende levar o Matéria Prima, do apresentador Sérgio Groisman, da TV Cultura para o SBT. Em janeiro de 92, Silvio planeja reiniciar a produção de novelas.

Folha - A audiência das novelas mexicanas está além das suas expectativas?
Silvio Santos - Eu não esperava que num horário tão tradicional como é o do Jornal Nacional e o da novela das 20h30 da Globo, nós pudéssemos conseguir mais de dez pontos de audiência. Sabia que eram boas, que iam tocar o público feminino e infantil porque são novelas familiares.

Folha - Você acredita que as mexicanas estão roubando público de O Dono do Mundo?
Silvio Santos - É muito difícil roubar público da Globo. Não sei por que razão. Eu tenho a impressão que existe alguma coisa mágica, que nos impede de roubar público da Globo. Não só nós, como também a Manchete. Mas parece que, agora, a Globo começou a perder alguns pontos. Algo de novo está acontecendo.

Folha - Você gosta de O Dono do Mundo?
Silvio Santos - Eu não posso dizer que gosto porque eu não vi nenhum capítulo da novela. Agora, pelos comentários que estou lendo nos jornais, o pessoal está fazendo algumas restrições. Mas me parece que esses comentários funcionam como marketing da Globo. A Globo usa todos os recursos - e até válidos, na minha opinião - para poder chamar a atenção do público. Mas, qualquer que fosse a novela, a Globo teria problemas com Carrossel.

Folha - O fato das novelas mexicanas se saírem melhor do que Brasileiras e Brasileiros; é ponto contra o núcleo de dramaturgia do SBT?
Silvio Santos - Não. A novela Brasileiras e Brasileiros foi urna tentativa do Avancini. Ele acreditava que esse chamado neo-realismo poderia funcionar no Brasil, embora todos nós, aqui no SBT, tivéssemos dúvida. Foi um acidente que pode acontecer comigo, como pode acontecer com o próprio Gilberto Braga. Até as notícias de jornais estão dizendo que vão pedir para ele mudar alguns ingredientes na história. Se a Globo não estiver satisfeita com o Gilberto Braga eu estou de portas abertas para recebê-lo. Ele é um bom autor como o Avancini é um excelente diretor.

Folha - Qual a vantagem em se produzir novelas se as compradas do exterior saem mais barato e dão mais certo para o SBT?
Silvio Santos - Vantagem realmente, vantagem, não existe. Se uma novela do exterior for boa e mais barata, é claro que tem que se comprar novela do exterior. Agora, sempre que eu puder ter uma novela, de acordo com as possibilidades da minha empresa, feita com autores, artistas brasileiros, vou fazer com que isso aconteça.

Folha - Quais seus planos com relação ao núcleo de dramaturgia da emissora?
Silvio Santos - Meu plano é conservar o Avancini. Agora mesmo conversei com ele para fazer um teatro semanal, com peças de grandes autores brasileiros. Vamos lançar uma comédia, Hit Parade. Talvez a partir de janeiro a gente comece a fazer novelas em São Paulo.

Folha - A critica avalia a exibição de novelas mexicanas como um retrocesso da programação de televisão. O que o senhor acha disso?
Silvio Santos - Geralmente eu me preocupo quando a crítica acha bom um produto meu. Quando os críticos dizem que o produto é bom, realmente, vai dar dois pontos de audiência. O filme A Escolha de Sofia ganhou Oscar. Coloquei na programação e deu oito pontos de audiência. A crítica elogiou Brasileiras e Brasileiros. Falou que ia ser sensacional. Deu cinco pontos. Então, a crítica raramente funciona na televisão. Eu não me preocupo com ela, me preocupo com o gosto popular. Não acho a novela mexicana seja retrocesso. Pelo contrário. É uma evolução. Televisão é uma indústria como outra qualquer. Eu faço uma outra pergunta. O produto americano é um retrocesso? O produto argentino ou porto-riquenho é retrocesso'? Se nós compramos um calçado italiano e ele é mais barato que o brasileiro, isso é retrocesso?

Folha - A vocação do SBT é ser uma emissora de programação popular, o vulgo brega?
Silvio Santos - Esse negócio de brega é mania que o pessoal tem com relação ao Silvio Santos, porque o Silvio Santos é brega, já nasceu brega. Então, tudo o que o Silvio Santos faz é brega. Vou continuar sendo brega. Esse estigma até me envaidece, não empobrece. Sendo brega, lançando aquilo que o público gosta, eu consigo dar emprego para mais de três mil funcionários aqui em São Paulo e a 60 afiliadas em todo o Brasil. Então, é preferível ser brega, ter uma programação popular e ter dinheiro para poder, no final do mês, pagar salário aos funcionários.

Folha - Que projetos você tem para o SBT a curto prazo?
Silvio Santos - Carrossel deve durar mais de um ano no ar. Tem 375 capítulos. Temos outras novelas mexicanas, venezuelanas, porto-riquenhas, até italianas. Temos uma norte-americana que vai estrear no Brasil. O produtor me deu a novela, de graça, para que eu pagasse a dublagem. A novela é tão boa quanto as séries americanas e tão boa quanto as minisséries que a Globo exibe. A curto prazo, tem o Matéria Prima que deve estrear conosco em agosto. Teremos o programa infantil chamado Eliana Está em Festa, feito a bordo de um navio. Tem as coisas do núcleo de dramaturgia.

Sônia Apolinário; Folha de São Paulo, 09 de junho de 1991.

***

Cartas e Cartazes nº 51
SBT usa novelas “do Globo” para derrubar as novelas “da Globo” (09/06/1991)

por José Eustáquio Lopes de Faria Júnior

[...] Trata-se de um anúncio conjunto tanto de Carrossel quanto de Rosa Selvagem, dobradinha que rendeu bons frutos ao SBT em audiência.

Neste anúncio específico, muito mais que divulgar ambas as novelas, que estavam em seu auge, o SBT fez um ótimo jogo de palavras relacionando-as à Rede Globo e à novela O Dono do Mundo, concorrente direta no horário. E a chamada não poderia ser melhor: “Para combater a novela de maior audiência da Globo, o SBT traz as novelas de maior audiência do Globo”. Claro que existia um exagero em dizer que Carrossel e Rosa Selvagem eram as maiores audiências do globo (no sentido de planeta, mundo), mas o fator da Televisa ser uma das principais exportadoras de conteúdo para todo o mundo na área de entretenimento, colaborava para esse “sentimento”. Por exemplo, Carrossel era exibida na Coreia do Sul e Japão, em períodos próximos à exibição no Brasil. Por aqui, muito embora ambas as novelas não se aproximassem perigosamente da Globo (no sentido emissora), fizeram tanto o Jornal Nacional quanto a novela O Dono do Mundo atingir níveis de sucessivos recordes negativos de audiência.

No topo do anúncio, como era comum naquele período, aqueles mini-textos para embasar a mensagem principal do anúncio. E nele, um recado direto à novela O Dono do Mundo: “Sempre que você assistir à novela O Dono do Mundo, lembre-se que você poderia estar assistindo às novelas que são as donas do mundo”.

O grande responsável pela “mexicanização” do SBT foi o brasileiro Augusto Marzagão, que fez a carreira dentro da Televisa, do México, durante 20 anos, após criar o Festival Internacional da Canção, pra TV Rio e Rede Globo. Sua relação com o SBT começou em 1982, quando ofereceu a Silvio Santos a novela Os Ricos Também Choram e posteriormente o seriado Chaves. Em setembro de 1990, Marzagão foi convidado por Silvio Santos para um café, onde ao apresentador expôs as dificuldades que o SBT atravessava naquele momento de crise. Foi então que Augusto Marzagão ofereceu Carrossel e Rosa Selvagem. Tiro certeiro.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, Marzagão narra como foi a negociação: “Foi [Marzagão confirmando que foi ele quem negociou Carrossel e Rosa Selvagem com o SBT]. Em setembro de 1990, o Silvio me convidou para tomar um café, me contou das dificuldades que estava tendo com a programação e pediu sugestões. Estudei as possibilidades durante algum tempo, dentro dos meus sentimentos brasileiros e mexicanos. Tudo o que pudesse adequar à televisão brasileira”.

Nessa mesma entrevista, ele conta que todos os produtos da Televisa chegaram ao SBT através de suas mãos: “A minha função na Televisa era promover e comercializar estes programas. A primeira novela mexicana exibida no Brasil, Os Ricos Também Choram, chegou aqui por meu intermédio. Assim como Chispita, o Chaves, o Chapolin. Todas as novelas mexicanas chegaram aqui por minhas mãos”. Ainda na entrevista, que é de 1991, ele fala com entusiasmo sobre Chespirito e Mundo de Juguete, sendo que ambas chegaram ao SBT em 2001, o primeiro sem tanto sucesso com o nome de Clube do Chaves e o segundo com enorme sucesso através do remake mexicano Carinha de Anjo (e que deve ganhar versão brasileira entre 2014 e 2015).

Seu filho, Omar Marzagão, começou a carreira também na Televisa, como produtor da novela Maria do Bairro, outra que viria a ser um fenômeno aqui no Brasil através do SBT.

Então, se você é fã de novela mexicana, dos remakes mexicanos e gosta da parceria do SBT com a Televisa, agradeça ao pioneiro Augusto Marzagão. O homem responsável por trazer o México ao SBT. Uma relação cheia de idas e vindas, mas que parece ser interminável.

Leia o texto completo. Clique aqui!

Cartas e Cartazes nº 03
SBT provoca Malu Mader e Antônio Fagundes com Carrossel (21/06/1991)

por José Eustáquio Lopes de Faria Júnior

A ironia sempre fez parte das campanhas publicitárias do SBT, especialmente quando se anunciava algo com boa audiência ou que “ousava” tirar pontos da Rede Globo. Esse foi o caso de Carrossel. Com a subida impressionante nos índices de audiência no primeiro mês de exibição, o SBT tratou logo de cutucar - de forma “picante”, aliás - a novela O Dono do Mundo, da Rede Globo.

“A única coisa que a nossa professorinha dá é audiência, viu Felipe?”. Essa frase do SBT é voltada para o personagem Felipe Barreto da novela da Rede Globo, interpretado por Antônio Fagundes. Na novela, existe também uma professora (como a Helena de Carrossel), chamada Márcia, papel que cabia à atriz Malu Mader. Márcia era noiva de um funcionário de Felipe, mas nem isso impediu que Felipe apostasse (e ganhasse) que levaria para a cama a “professorinha”, que era virgem até então.

A estratégia em apostar em cenas de sexo envolvendo a professora foi fatal, tendo em vista que Carrossel apostava justamente no oposto, no mesmo horário e com enorme sucesso: a professora carismática, doce, quase santa, inimaginável em cenas como as apresentadas na Globo. Não por menos, a Globo teve que promover várias reviravoltas na história (inclusive passar o personagem de Antônio Fagundes de vilão para mocinho e vice-versa na reta final), se não quisesse perder ainda mais audiência para o SBT.

Com 25% de share, como apresenta o anúncio, Carrossel chegou a picar 27 pontos de audiência, chegando a ficar poucos pontos atrás de O Dono do Mundo no mês de julho, o que era considerado impossível à época, primeiro pela força do principal produto da Globo e segundo por se tratar de uma novela enlatada do SBT. Rubens Carvalho, sim aquele que citei no nosso primeiro Cartas e Cartazes, diretor do SBT na época, dizia que infelizmente, pelo preconceito comercial com uma novela mexicana, tinha que vender anúncios de uma novela de 20 pontos pelo preço de 10.

Vale ressaltar que Carrossel foi uma das responsáveis por tirar o SBT de uma enorme crise agravada entre 1989 e 1990, com o Plano Collor, tendo efetuado centenas de demissões e cancelamento de produções. O SBT vinha de uma tentativa fracassada de emplacar a dramaturgia nacional com Brasileiras e Brasileiros, que teve altíssimo investimento, e apostou em tramas mexicanas para tentar se recuperar no horário nobre, ainda mais depois do sucesso de Pantanal, na TV Manchete. Carrossel não só conseguiu levantar a audiência do SBT nessa faixa, como emplacou novelas que ela entregava audiência, também mexicanas, como Rosa Selvagem, Ambição e Simplesmente Maria.

Nessa época, a Globo teria recusado comprar Carrossel e preferido adquirir Cristal (sim, a novela venezuelana que anos mais tarde o SBT faria adaptação, só que da versão mexicana). A estratégia da Globo em comprar tramas enlatadas, na verdade, era apenas para evitar que a concorrência as usasse. Sim, a estratégia era engavetar para que outros canais não produzissem. O seriado Chaves mesmo já quase foi vítima dessa artimanha global. Para felicidade geral das crianças do Brasil, Carrossel e Chaves, escaparam ilesos. [...]

Leia o texto completo. Clique aqui!

Cartas e Cartazes nº 52
SBT se sente aliviado por não deixar a vice para assumir a liderança (02/07/1991)

por José Eustáquio Lopes de Faria Júnior

[...] Hoje destacamos uma campanha que vai além da novelinha de Professora Helena e sua turma. Além de Carrossel, a novela Rosa Selvagem e o jornalístico Aqui Agora são os outros protagonistas do anúncio, o qual passamos a explanar a seguir.

O ano de 1991 marcava uma grande virada do SBT, após dois anos difíceis, tanto em audiência com em crise financeira. Mesmo com problemas, o SBT programou inúmeras estreias para aquele ano e a data de 20 de maio de 1991 era visto com o “dia D”, pois no mesmo dia estreavam o Aqui Agora, as novelas mexicanas Carrossel e Rosa Selvagem e o Jornal do SBT, com o comando da Lilian Witte Fibe (vinda da Globo). SBT renovava naquele dia quase 3 horas de sua grade no horário nobre.

E a tacada foi certeira e de efeito quase que imediato. Em junho, o SBT já percebia um crescimento absurdo de sua audiência no prime time, num efeito cascata muito importante para toda a grade. O sucesso do Aqui Agora puxava o TJ Brasil. O sucesso de Carrossel puxava Rosa Selvagem. E assim o SBT se livrava de vez do “fantasma Pantanal”, da Manchete, que assustou bastante em 1990.

O SBT, claro, não poderia deixar essa situação de sucesso passar em branco e tratou logo de fazer uma campanha publicitária para divulgar os números de audiência. À primeira vista, pelas letras garrafais do anúncio, parece ser uma campanha publicitária pessimista: “Ufa, por pouco a gente não perde a vice-liderança”. Pelo contrário. Na verdade, o SBT quis passar a imagem de que uma emissora que sempre esteve contente e acomodada em ser líder absoluta do segundo lugar e, repentinamente, estava assustando a Globo, pela primeira vez, em horários tidos como insuperáveis, como contra a novela das seis (Aqui Agora), o Jornal Nacional (Carrossel) e a novelas das oito (Carrossel e Rosa Selvagem). Como diz o próprio anúncio, não passou (ufa!), mas assustou bastante o crescimento do SBT. É bom salientar que aonde se lê “pontos” no anúncio do SBT, na verdade representa share (participação em porcentagem na audiência total).

Como tudo que incomoda (em especial incomoda a Globo), Aqui Agora e as novelas mexicanas apanharam de todos os lados. Aqui Agora virou sinônimo de programa de tragédias, com uma produção porca, matérias sensacionalistas e gente pouco preparada jornalisticamente para tecer comentários. Já as novelas mexicanas, aquela acusação de sempre de novela com cenários artificiais, dublagem terrível e com conteúdo piegas e trash.

Todas essas acusações não assustavam Silvio Santos. Em entrevista à Folha de São Paulo na época, teve de se defender e defender o SBT das acusações (?) de ser brega: “Esse negócio de brega é mania que o povo tem com relação ao Silvio Santos, porque o Silvio Santos é brega, já nasceu brega. Então, tudo que o Silvio Santos faz é brega. Vou continuar sendo brega. Esse estigma até me envaidece, não empobrece. Sendo brega, lançando aquilo que o povo gosta, eu consigo dar emprego para mais de três mil funcionários aqui em São Paulo e 60 afiliadas em todo o Brasil. Então, é preferível ser brega, ter uma programação popular e ter dinheiro para poder, no final do mês, ter dinheiro para pagar salário aos funcionários”.

Além do fator audiência, a exibição dessas novelas mexicanas eram uma mão na roda em tempos de crise no País. Em 1991, um capítulo dublado de Carrossel custava cerca de 10 mil dólares aos cofres do SBT. Uma produção nacional, custaria não menos que o triplo desse valor. Rubens Carvalho, então superintendente comercial do SBT, comemorava essa vitória, mas lamentava o preconceito que também existia dos anunciantes: Carrossel dava 20 pontos, mas o resultado comercial era como se desse apenas 10. Ele dizia: “Os anunciantes são elitistas e preconceituosos. Não entendem que o público da novela está saindo da Globo e não do México e continua comprando xampu”.

Quem não gostou nada dessa história foi Walter Avancini, então diretor de dramaturgia do SBT. Como sua Brasileiras e Brasileiros não vingou (em virtude de seu conteúdo neo-realista, segundo Silvio Santos), a explosão das novelas mexicanas era tida como ameaça real ao setor na emissora. Ainda mais porque naquela época sequer cogitavam uma parceria para remakes com a Televisa, como existe atualmente. Avancini chegou a falar que foi a Globo quem contribuiu para o sucesso das mexicanas no SBT: “A Globo se assustou com os altos índices de Pantanal e a ordem interna foi procurar dramalhões. A concorrência levou a Globo a baixar o nível. As novelas mexicanas são dramalhões sem maquiagem e representam melhor a estética da realidade brasileira. A Globo sempre foi Dinamarca fazendo novela no Brasil”.

O Aqui Agora, por sua vez, tinha em sua maioria um público de classes A e B. Um tapa na cara dos colunistas de TV na época que acusavam o programa de profundo mau-gosto e programa feito para agradar apenas as camadas mais populares da sociedade. Na verdade, a intenção, muitas vezes, era dar voz a quem não tinha até então. Dois dias depois da publicação desse anúncio, em 04/07/1991, o Aqui Agora batia o seu recorde de IBOPE e alcançava 20 pontos. No dia 15/07/1991, contra a estreia de Vamp, na Globo, o programa chegou aos 24 pontos de pico com uma matéria sobre as crianças de Carrossel. E ainda chegaria a 30 em outra oportunidade, numa edição verdadeiramente histórica, com direito a comemoração em todo o SBT.

O ano de 1991 realmente é incrível do ponto de vista histórico para o SBT. Muitas coisas aconteceram e muitos estigmas foram mudados na TV brasileira. [...]

Leia o texto completo. Clique aqui!

Cartas e Cartazes nº 53
SBT chama Professora Helena de co-autora de novelas da Globo (01/09/1992)

por José Eustáquio Lopes de Faria Júnior

Na 3ª e última matéria da série especial com anúncios relativos a Carrossel, mostraremos hoje um exemplar publicado posteriormente à exibição da novela mexicana, ou seja, quando a sua exibição inédita no SBT já havia terminado. Mas aí todos perguntam: por qual razão o SBT publica um anúncio tendo como norte algo que já deixou a grade? É o que tentaremos explicar a seguir.

A história de Carrossel dentro do SBT é repleta de detalhes incríveis, não só devido a sua audiência, mas ao fato de ter gerado uma repercussão muito positiva, em tempos que novela mexicana ou de qualquer outro país (especialmente latino) era tratado como enlatado de péssimo valor.

A repercussão de Carrossel foi tamanha que Gabriela Rivero, a Professora Helena mexicana, recebeu uma proposta para ser contratada fixa do SBT. A ideia partiu do próprio Silvio Santos, quando da visita dela ao Brasil, que teve até direito a encontro presidencial com Fernando Collor de Mello. Porém, ela não aceitou o convite de Silvio. E nem aceitou uma proposta – na época, para os padrões, milionária – da Playboy brasileira. Aliás, por falar em encontro com o presidente Collor, veja abaixo o anúncio do SBT que aparece Gabriela Rivero e Fernando Collor descendo a rampa do Palácio do Planalto, em meio a aproximadamente duas mil crianças. E, claro, o SBT provoca durante todo o anúncio o personagem Felipe (Antônio Fagundes), da novela O Dono do Mundo, da Globo, que teve sua queda atribuída ao sucesso de Carrossel em 1991.

Aliás, em meio ao encontro presidencial em Brasília, Gabriela Rivero teve uma reunião com a então primeira-dama Rosane Collor, que dizia assistir a novela todos os dias, mas que ficou um tanto “chocada” quando Gabriela ao desembarcar em São Paulo dizia que Fernando Collor era “muy guapo” e que desceria a rampa de minissaia com ele. Rosane, com jogo de cintura, deixou a polêmica passar. Até porque a ideia era colar o carisma do presidente e da Legião Brasileira de Assistência (LBA) ao da atriz mexicana. Aliás, vale o registro: ela se encontrou com Rosane no Brasil e teria justamente a sua versão brasileira feita por uma atriz chamada Rosanne (com dois “enes”). Essa seria só a primeira das coincidências envolvendo as duas versões da novela.

Ainda em Brasília, a repercussão foi tão grande, que até contratados de outras emissoras tiveram que se render ao fenômeno Carrossel devido a seus filhos. Foi o caso do jornalista Alexandre Garcia, da Rede Globo, que não teve como conter e teve que levar seus filhos para conhecer (ou pelo menos vê-la) andando na rampa presidencial na capital federal. Curiosamente, na versão nacional, aconteceu o mesmo, só que com a Record. O filho de Gugu Liberato, então contratado da Record, assistiria ao show que marcaria o encerramento das gravações da versão brasileira de Carrossel, no SBT.

Outra curiosidade envolvendo as duas versões de Carrossel vêm da política. Em 1991, para reforçar a grande repercussão gerada pela novela infantil, o SBT gravou depoimentos de personalidades influentes para falar bem da produção. Nela, estavam presentes, dentre muitos, Paulo Maluf e Luiz Inácio Lula da Silva, inimigos e adversários políticos ferrenhos, mas que naquela oportunidade estavam juntos em prol da novela. E não é que em 2012, menos de um mês depois da estreia da versão brasileira, Lula e Maluf não davam as mãos dessa vez como aliados políticos?

Mas você deve se perguntar: por que, afinal o SBT falou que a Professora Helena virou co-autora das novelas da Globo? O anúncio que destacamos hoje explica que a Globo teria aumentado o número de crianças da novela para atrair justamente o público que “surgiu” no SBT, carente de uma opção com apelo infanto-juvenil. E realmente a Globo aumentou seu apelo infantil depois do susto com Carrossel e uma novela que virou “símbolo” desse novo viés infanto-juvenil global foi Vamp, de Antônio Calmon. O autor, porém, negava qualquer tipo de relação da sua novela com o “fator Carrossel”. E não é que a versão brasileira também já teve repercussão em uma outra emissora? Quem não se lembra da tentativa – fracassada – de salvar a nova temporada de Rebelde, na Record, fazendo até mesmo uma versão feminina do Cirilo e uma masculina da Maria Joaquina por lá? É como dizia o eterno poeta e filósofo Cazuza: eu vejo o futuro repetindo o passado. E na TV isso é mais comum do que se imagina. [...]


Leia o texto completo. Clique aqui!

Nenhum comentário:

Postar um comentário