Sou um dos (poucos, acredito) que
gostaria de assistir a segunda versão de Pecado
Capital. A novela não foi um sucesso, muito pelo contrário, mas teve os
seus méritos: o bom desempenho de Eduardo Moscovis como Carlão; ver Mara Manzan
em uma personagem diferente das que costumava interpretar (Alzira); acompanhar
o amadurecimento de Camila Pitanga (Ritinha) e Leandra Leal (Clarelis). Todas
as novelas, independentemente de seus números, têm atrativos, nem que seja para
determinada parcela do público. Sou um entusiasta destas tramas, que muitas
vezes despertam mais curiosidades do que novelas “arrasa-quarteirões”. Quando
uma novela se sai bem, só elogios; quando vai mal, surgem inúmeras explicações
e só quem realmente acompanha vai entender o fracasso ou questionar o mesmo,
mediante seu interesse pelo que assiste.
Para essas novelas esquecidas, e
muitas vezes rechaçadas, proponho o Viva
Cult. Uma faixa dedicada a tramas que não foram bem em sua primeira exibição,
mas que conseguiram angariar fãs e merecem uma “nova chance”. Uma sessão que viria a complementar o Viva Retrô (já proposto aqui) e preencher a grade matinal; hoje, um dos horários mais desinteressantes do canal.
E para dar início aos textos desta
coluna, que visa resgatar títulos para o Viva
Cult, recorri a um texto do meu querido amigo Fernando Russowsky. Texto este
que, de tão bem escrito, me despertou a atenção para Araponga, esquecida novela vinculada em 1990, no alternativo horário
das 21h30. Deixo vocês com a ótima análise do Fernando, na estreia desta coluna
que, espero eu, logo se torne uma sessão do canal.
A
ingrata missão do agente secreto
por Fernando Russowsky
Faço parte da meia dúzia de quatro ou
cinco que, com a estreia de Araponga,
passou a assistir Pantanal apenas aos
sábados. Sem desmerecer o primoroso trabalho apresentado pela Rede Manchete,
isso não me trouxe nenhum prejuízo para o entendimento da trama...
Concebida originalmente como a novela
das oito que sucederia Rainha da Sucata,
teve como títulos provisórios Os Clones
e Ponto Futuro e, como um dos temas
principais, a engenharia genética. Como este era o assunto principal da novela
das seis da época, Barriga de Aluguel,
a Globo achou melhor não levar a novela ao ar e chamou Cassiano Gabus Mendes,
que escreveu Meu Bem Meu Mal. Me
lembro que o senador Petrônio Paranhos (Paulo Gracindo, que em três dos quatro
capítulos nos quais apareceu foi como um morto animado por outras pessoas para
parecer vivo - uma referência ao seu trabalho como Quincas Berro D'Água?)
deixou material para fazer um filho com Arlete (Carla Marins) por meio de
inseminação artificial. Será que na sinopse original o senador pretendia
produzir um clone de si próprio, antecipando em onze anos a abordagem da
clonagem humana na telenovela brasileira? Por fim, Araponga estreou em 15 de outubro de 1990 “em regime especial”,
como chegou a ser divulgado em algumas notas na época, às 21h30, com
modificações no roteiro, dando menos ênfase à questão genética.
Acredito que esta é, senão a mais, uma
das mais injustiçadas de todas as novelas. A televisão brasileira passava por
um momento sem precedentes: consolidada a liderança global, nos anos 70, foi a
primeira vez que uma novela de outra emissora era, com todos os méritos, campeã
de audiência e, principalmente, de repercussão. Araponga estreou com a “missão impossível” de trazer de volta à
Globo o público do horário após a novela das oito. Tinha atributos para isso,
mas, definitivamente, o momento era de Pantanal,
cujas novidades quanto ao ritmo e à narrativa eu creio que a imprensa e o
público ainda estavam assimilando (algo como uma criança com brinquedo novo).
Por isso, acabaram não prestando a devida atenção às inesquecíveis atuações de
Tarcísio Meira (Aristênio Catanduva - Araponga), Zilka Salaberry (Dona Marocas),
Taumaturgo Ferreira (Tuca Maia), o que eu considero o trabalho mais divertido
de Flávio Galvão (João Paulo - só neste trabalho eu consegui me livrar da
imagem que eu tinha dele como o diabo em Corpo
a Corpo) e a minha então musa inspiradora, Carla Marins (Arlete), entre
vários outros injustamente omitidos aqui. Araponga
foi a primeira novela de Luiza Brunet (Dalila - aparecia uma vez a cada vinte
capítulos) e Dira Paes (Nininha). Também resgatou nomes como Monique Lafond
(Elizabeth), Elizabeth Gasper (Marieta) e Darlene Glória (Dayse).
O texto ágil,
inteligente e crítico acabou sendo qualificado de “bobo”, “ridículo” e outros
termos ainda mais desabonadores. Como não conseguiu reverter o quadro favorável
à concorrente, a Globo praticamente desistiu de Araponga. Sem levar em consideração seu público pequeno, mas fiel,
por várias vezes deixou de apresentar o capítulo para exibir filmes, especiais
e, mais raramente, futebol. Me lembro que nas semanas entre o natal e o
ano-novo, só houve exibição de quarta à sexta. Em janeiro, a duração dos
capítulos foi reduzida de 1 hora para 45 minutos, com comerciais. E o término
da novela já estava decretado para 29 de março de 1991, sexta-feira. Na semana
seguinte estrearia a nova linha de shows da emissora.
Eu gostava muito do humor nonsense da
novela, com tiradas dignas de desenho animado, como quando Tuca Maia fala com
Dalila ao telefone (na época não havia celular) e diz: “Tô indo praí”. Dalila
desliga. Toca a campainha da casa dela, ela atende e é Tuca Maia. Contando
talvez não tenha a mesma graça... Ou a cena em que Araponga e Mão-de-Gato (Yvan
Mesquita em participação especial) explodiam um cofre e acabavam destruindo o
cenário da gravação que acontecia no estúdio ao lado. Teve também a cena em que
Tuca Maia (de novo) entra num táxi e manda o motorista seguir um carro à
frente. O motorista vibra: “Legal, igual filme americano!”. Terminada a
corrida, Tuca paga e pede o troco, o motorista reclama que em filme americano o
passageiro não pede o troco. Tuca responde: “É, mas isso aqui é novela!” (pra
quem tinha dúvidas em relação ao que Araponga
era realmente...).
Uma observação curiosa é que, embora
sua audiência não tenha sido expressiva, teve considerável repercussão. Tanto
que profissionais que trabalham com grampos telefônicos receberam a alcunha e
ainda hoje são identificados como “arapongas”. Muitas pessoas podem não lembrar
da novela, mas lembram da “urinolina”, o combustível alternativo sobre o qual
foram feitas milhares de pesquisas (principalmente para resolver seu maior
inconveniente, o mau cheiro) para no final descobrirem que era inviável. Seria
uma crítica ao Proálcool, que à época enfrentava sua pior crise? Ou uma
profecia, como aponta esta matéria? O regime militar também não foi poupado,
principalmente as organizações secretas (como a que Araponga fazia parte) e a
tortura (o detetive se trancava no quarto, se pendurava num pau-de-arara e se
dava choques).
Tenho pra mim que Araponga foi uma obra genial, a novela certa no momento errado.
Merecia ter sido tratada com mais consideração.
Bem que poderia reprisar! !!!
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