domingo, 25 de janeiro de 2015

Bastidores


- Pedra Sobre Pedra estreou em 06 de janeiro, substituindo O Dono do Mundo. Devido à fraca repercussão desta, o folhetim regionalista quase fora antecipado para 25 de novembro de 1991. A complexidade da produção, no entanto, impediu que a novela estreasse antes da data estipulada inicialmente.

- Dentre os problemas a serem resolvidos para que Pedra Sobre Pedra pudesse estrear estava a escolha do título. Aguinaldo Silva a concebeu como ‘Resplendor’. No início da pré-produção, a novela fora chamada, provisoriamente, de ‘Garimpo’. Logo depois, veio a definição da direção da emissora: ‘Fruto Proibido’ chegou a ter a logomarca desenvolvida pelo departamento de criação capitaneado por Hans Donner. Outros nomes surgiram até que chegassem ao definitivo; dentre eles, ‘Ferro e Fogo’ e ‘Paixão Proibida’, que contava com a torcida de Aguinaldo Silva.

- Escalar o elenco também não foi tarefa fácil. Tarcísio Meira e Betty Faria encabeçariam a produção, como Murilo Pontes e Pilar Batista. Boni, então todo-poderoso da emissora, vetou a escalação da atriz, para evitar comparações com Tieta, trabalho anterior do trio de autores. Tarcísio também acabou deixando o projeto. Para seu posto, foram cogitados Cláudio Marzo (com contrato vigente na Manchete), José Wilker (trabalhando no desenvolvimento de longas-metragens nos Estados Unidos) e Rubens de Falco (que acabara de concluir sua participação em Salomé, às 18h).  Lima Duarte fora então escalado, surgindo a partir daí sua parceira de cena, Renata Sorrah, convocada por Paulo Ubiratan.

- Aguinaldo Silva pediu para que a Globo possibilitasse a escalação de atores com os quais já havia trabalhado: Armando Bógus, Eloísa Mafalda, Luiza Tomé, Paulo Betti e Pedro Paulo Rangel. Também nomes que nunca haviam participado de uma trama sua, como Andréa Beltrão, Eva Wilma e Nívea Maria. E, enquanto ainda idealizava a sinopse, já pensava em contar com Maurício Mattar e Adriana Esteves, como Leonardo Pontes e Marina Batista.


- Outro nome pretendido pelo autor, desde as primeiras linhas da sinopse, era o de Fábio Jr., de volta à TV após um afastamento de seis anos. Cogitado para diversas produções, desde que explodiu em todo o país com o sedutor Roberto Mathias, de Roque Santeiro, Fábio havia decidido dar um tempo na carreira de ator para se dedicar à música. E só aceitou retornar porque pode conciliar sua agenda de cantor às gravações da novela. Entre as exigências de Fábio para dar vida ao retratista Jorge Tadeu estavam a divulgação dos shows de sua turnê, Intuição, na programação da emissora, e um roteiro de gravações que lhe ocupasse por apenas dois dias a cada quinzena.

- A presença do galã, de fato, serviu como chamariz para o público. As primeiras gravações, na Chapada Diamantina, reuniram uma multidão de fãs e curiosos em frente ao hotel Pousada de Lençóis, onde elenco e equipe técnica se hospedaram para as primeiras tomadas. Todos queriam ver Fábio Jr., um dos mais requisitados para as cenas deste início de novela.


- A equipe de produção mobilizou 70 pessoas entre atores, técnicos e produtores para as tomadas no Parque Nacional da Chapada Diamantina, região central da Bahia. Dois caminhões com 80 toneladas de equipamento deram suporte às gravações, em locais inóspitos como a gruta da Pratinha, no distrito de Santa Rita, e na cachoeira Poço do Diabo, a 20km de Lençóis.

- Tanto a produção como o elenco levantavam pontualmente às 5h e às 7h as cenas, sob direção de Paulo Ubiratan e Gonzaga Blota, já estavam sendo rodadas. À noite, “causos” contados por Lima Duarte serviam como passatempo à equipe. Entre as normas da Globo para os profissionais envolvidos nas gravações, constavam orientações para os cuidados extremos com o meio ambiente e a ordem de não estabeleceram muito contato com a população local, a fim de não prejudicar os hábitos dos moradores. Os anfitriões, no entanto, não deram trégua ao elenco. Além de Fábio Jr., Maurício Mattar também era constantemente requisitado. Ambos tratados como Roberto Mathias e João Ligeiro, respectivamente, seus personagens em Roque Santeiro, então em reprise nas tardes da Globo.

- O sucesso de Roque Santeiro, aliás, favoreceu a coprodução estabelecida com a RTP, Rádio e Televisão Portuguesa. Jorge Adib, então diretor-geral do Apoio de Comunicação e Divisão Internacional de Vendas da Rede Globo, classificou a RTP como a maior cliente da emissora, na aquisição de suas novelas. José Eduardo Muniz, diretor do Canal 1 da RTP, justificou a parceria com o fortalecimento das ligações entre Brasil e Portugal, em uma novela ligada ao regionalismo, temática de sucesso no exterior, por conta de Tieta e Roque Santeiro. A RTP custeou 20% do orçamento da novela e apoio técnico para as gravações em Portugal, com atores locais.

- Carlos Daniel e Suzana Borges foram os atores portugueses escalados para Pedra Sobre Pedra, após assistirem uma gravação de O Dono do Mundo, para conhecerem o ritmo de gravações da telenovela brasileira, e se submeterem a testes. Ambos surgiram na história no capítulo 30, como os irmãos Ernesto e Inês, que investigavam o assassinato do tio-avô, motivado pela ambição do vilão Cândido Alegria (Armando Bógus). Carlos Daniel, formado em Teatro, já havia participado de séries e novelas. Suzana, por sua vez, ainda não havia trabalhado em televisão.

- A figura de Jorge Tadeu (Fábio Jr.) surgiu a partir da notícia de um jornal paulista, lida por Aguinaldo: um homem enciumado matou a noiva, após descobrir que ela listava todos os homens com quem já havia se relacionado, atribuindo notas ao desempenho sexual de cada um deles. Hábito que o retratista mantinha, e que tanto causou furar na busca por sua inseparável caderneta, desaparecida desde sua morte.

- A princípio, Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretzsohn apresentaram Pedra Sobre Pedra a Paulo Ubiratan como minissérie. Avaliada como “vasta demais para uma minissérie” pelo diretor, a ideia foi engavetada e a dupla optou por adaptar Riacho Doce para a faixa de dramaturgia das 22h30.

- A produção de Pedra Sobre Pedra abrigou a, até então, maior cidade cenográfica já construída nos complexos da emissora, em Jacarepaguá. O cenógrafo Mário Monteiro desenvolveu, além das ambientações em estúdio, uma série de exteriores, incluindo a praça central de Resplendor, cercada por um calçamento em pé-de-moleque, colocado sobre uma base de concreto, para que a chuva não danificasse o trabalho. Já o acampamento cigano possuía três tendas, com 60 metros quadrados cada, e duas carroças, que serviam de transporte aos personagens deste núcleo. A gruta que servia de abrigo ao casal Leonardo (Maurício Mattar) e Marina (Adriana Esteves) também era cenográfica. Possuía 1.500 metros quadrados e seis ambientes construídos em fibra de vidro e materiais naturais, como pedra e areia.

- O figurino desenvolvido por Helena Gastal destoava da grandiosidade dos cenários. Os personagens se vestiam de forma simples, com poucas roupas, como convinha ao ambiente rural. Apenas a farda, sugerida pelos autores, de Francisquinha (Arlete Salles) e a extravagância de Rosemary (Elizangela) destoavam.

- A abertura desenvolvida por Hans Donner, auxiliado por 25 profissionais do departamento de criação da Globo, apostava em um jogo de encaixe de elementos da natureza (mais precisamente da paisagem da Chapada Diamantina) com o corpo da então modelo Mônica Fraga. As imagens feitas com a moça, em estúdio, se fundiram à takes de rios, cachoeiras, troncos de árvores, grutas e cânions.


- A ideia inicial de Hans Donner, no entanto, remetia ao ciclo de vida das famílias Pontes e Batista. A fisionomia dos pais seria transformada na dos herdeiros, através da computação gráfica, em efeitos como os utilizados no clipe ‘Black or White’, de Michael Jackson.

- A fantasia que permeava o roteiro de Pedra Sobre Pedra deu trabalho, e muito trabalho, à equipe de produção da novela. A morte de Jorge Tadeu (Fábio Jr.), uma cena de três minutos de duração, demorou seis horas para ser executada. Dirigida por Luiz Fernando Carvalho, com colaboração de Antônio Jayro Fagundes, psicólogo especialista em animais, a tomada contou com 146 borboletas monarcas, que pousavam sobre o corpo do dublê de Fábio Jr., besuntado com mel. O diretor traduziu a essência da cena, em entrevista sobre os bastidores da gravação: “As borboletas são atraídas pelo cheiro desprendido pelo corpo de Jorge Tadeu. Bebem o sangue de seu peito e levantam voo, como se levassem a alma do fotógrafo”.

- O arbusto no qual Jorge Tadeu (Fábio Jr.) urinava constantemente também deu dor de cabeça aos responsáveis pela produção. A pequena planta, que se contorcia e dava risada, quase não saiu do papel. Foi Carlos Manga, supervisor de qualidade da Globo na época, quem lembrou de Domingos Utimura, que trabalhava há 28 anos com efeitos especiais (como o da “morte” do orelhão em um comercial da Telesp). Utimura concebeu um molde de silicone de um arbusto de Fícus e, posteriormente, o reproduziu em resina. Substituiu o miolo do tronco por cabos de aço flexíveis que, acionados por controle remoto, movimentavam as folhas, sendo estas verdadeiras.


- Os serviços de Domingos Utimura seriam novamente requisitados pela produção de Pedra Sobre Pedra. Foi ele quem elevou o pequeno arbusto à condição de árvore frondosa, utilizando a inversão do processo natural de crescimento da planta. Quatro homens, munidos de balões de oxigênio, entraram em um buraco, para dentro do qual puxaram a árvore de Fícus. A cena foi exibida ao contrário, passando a impressão de que a planta estava brotando. Câmeras de ar infladas permitiram o efeito da calçada sendo destruída pela raiz da árvore e um plástico no entorno, coberto com terra, passava a impressão de que havia um tremor no momento em que surgira a planta.

- João Neto, responsável pelos efeitos especiais da novela, utilizou 120 mil litros de água, de nove carros-pipas, para simular a forte chuva que marcara a primeira noite de amor de Carlão (Paulo Betti) e Vida (Luiza Tomé). Andréa Beltrão, que participara da sequência, passou mais de três horas com o corpo todo molhado, fazendo uso de vitamina C e café quente para evitar indisposições futuras. Três caminhões de terra vermelha foram utilizados para criar a lama que tomara as ruas de Resplendor após o temporal. O resultado ficou tão crível que os editores não precisaram recorrer à cenas de arquivo para conferir mais veracidade ao dilúvio da ficção.

- O Silicom Graphics, computador de última geração da Globograph, departamento visual da Globo, possibilitou outras sequências memoráveis de Pedra Sobre Pedra. José Dias, responsável pelo setor, agregou imagens de arquivo, realizadas na Chapada Diamantina, a cenas de Yago (Humberto Martins), à cavalo, saltando um obstáculo na Hípica. Assim, conseguiu traduzir em imagens a cena concebida pelos autores, para encerrar a trajetória do personagem: após perder um duelo com Carlão (Paulo Betti), Yago se atira de um penhasco. Uma corda foi removida, e estrelas foram adicionadas, por computação gráfica na cena em que Sérgio Cabeleira (Osmar Prado) era dominado, em definitivo, pela lua. E o efeito morf, bastante utilizado na publicidade, propiciou a metamorfose de Cândido Alegria (Armando Bógus), transformado em estátua de pedra.

- No dia 19 de junho de 1992, restando mais de um mês para o final, Regina Rito, em matéria para o Jornal do Brasil, revelou o final da novela. Pouco depois, a mesma publicação trouxe recados que os autores anexaram às cenas do último capítulo da trama. Enviaram um beijo para Lília Cabral, a gaúcha Alva, e classificaram como um momento de muita emoção o trabalho com Andréa Beltrão e Eva Wilma. Na cena em que Cândido Alegria (Armando Bógus) é humilhado por Murilo (Lima Duarte), que o manda para o inferno, pediram que a câmera fechasse “naquela cara de Cândido que só o Divino Bógus poderia fazer” e atribuíram ao ator o final do vilão, transformado em uma figura diabólica, como ele queria. Após o fim, um recado ‘insolente’: “E quem for suficientemente atrevido, que escreva outra... E é o final”.

- Na cena em que turistas visitam Resplendor para a ver a estátua de pedra de Cândido (Armando Bógus), Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares apareceram como figurantes.

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