terça-feira, 4 de novembro de 2014

Bastidores

Paixão de Verão era o título da novela que Walther Negrão concebeu tendo como base as belíssimas paisagens do Ceará. Tão logo as primeiras notícias sobre a trama começaram a ser ventiladas, o título foi alterado para Summertime e, por fim, Tropicaliente.

A ideia de ambientar uma novela em Fortaleza partiu de Paulo Ubiratan, então diretor de núcleo da TV Globo. Durante um almoço com o governador do Ceará, Ciro Gomes, Ubiratan manifestou o desejo de manter ali a base de gravações de Tropicaliente. O político, então do PSDB, pediu ao diretor que abordasse a infraestrutura turística e a modernidade das indústrias cearenses.


Para que fosse possível gravar por 15 dias, durante oito meses, no Ceará, a Globo precisou contar com o auxílio do governo do estado. 700.000 dólares foram investidos por Ciro Gomes na produção. A rede hoteleira foi convencida a montar um pool para acomodar a equipe técnica e o elenco em sessenta apartamentos. Para transportar artistas e técnicos do Rio de Janeiro até Fortaleza, a Varig, acionada pelo governo, se propôs a dar descontos de 75% nas tarifas. Os outros 25% foram cobertos pela Companhia de Desenvolvimento Industrial e Turístico do Ceará, Coditur. Outras regalias foram oferecidas a Globo: despesas em cafés da manhã, aluguel de um helicóptero para gravações em alto-mar; também ônibus, automóveis, jangadas, barcos de pesca e bugres. O auxílio do Estado barateou em 25% o custo médio de cada capítulo da novela, orçado em 35.000 dólares.

A cidade cenográfica que abrigava a aldeia de pescadores comandada por Ramiro (Herson Capri) fora construída no terreno onde era mantida a colônia de férias dos funcionários da Companhia de Eletricidade do Ceará, na praia de Porto das Dunas, município de Aquiraz. O governo realizou a ligação da rede elétrica e também cuidara da segurança do local.

Questionado sobre os gastos com Tropicaliente, o governo cearense apresentou dados que comprovavam a eficácia do merchandising que a novela promoveria em favor do turismo na região.

Ciro Gomes, no entanto, admitiu que a novela serviria também para enaltecer sua conduta como governador: “Acho que foi um dos melhores investimentos que fiz porque, é claro, traz também dividendos políticos na medida em que mostra a administração pública feita aqui”. Ciro, e seu antecessor, Tasso Jereissati, eram considerados administradores bem-sucedidos, que haviam levado investimentos ao estado, e conquistaram uma das mais altas taxas de popularidade do país, na época, embora o Ceará ainda padecesse com seus índices de pobreza extrema.


O “efeito Tropicaliente”, como esperado, se revelou um grande sucesso. Nos meses de baixa temporada, os hotéis do Estado permaneceram lotados e o movimento de turistas foi 30% superior ao verificado nos anos anteriores. Os destinos preferidos dos turistas eram as dunas onde François (Victor Fasano) andava à cavalo, as praias em que Dalila (Carla Marins) namorava, e a vila comandada por Ramiro (Herson Capri). Antônio de Matos Brito, então diretor do Coditur, calculava um aumento no setor de aproximadamente 17 milhões de dólares. O aumento de turistas levou a prefeitura de Beberibe, em ação conjunto com o hotel Praia das Fontes, a criar uma escola para formação de guias turísticos, além de cursos para garçons e recepcionistas. A Câmera de Vereadores do município também entregou ao ator Stenio Garcia o título de cidadão beberibense, homenagem recebida em nome de todo o elenco.

A Globo, ainda assim, fora acusada de ambientar a trama no Ceará apenas para enaltecer o PSDB, que lançava a candidatura de Fernando Henrique Cardoso à presidência. Na novela anterior, Sonho Meu, a emissora também gravou em outro estado, Paraná, sem contar com incentivos do governo ou da prefeitura; apenas barganhou descontos em hotéis.

Contrário à exposição promovida pela novela, o cantor Raimundo Fagner argumentou em entrevista, na época: “Nossa cultura é muito forte e característica. Não somos o Caribe brasileiro”. O comentário se referia ao tom caribenho imposto pela Globo à novela e, por consequência, ao Estado.


Ainda hoje, o turismo em Fortaleza se ampara no sucesso de Tropicaliente. Em viagem ao estado, em agosto de 2012, pude comprovar a força da novela por lá. Passeios turísticos nos conduzem até locações da novela, como a gruta em que Açucena (Carolina Dieckmann) perde a virgindade, localizada na praia das Fontes (foto acima). “Quem encontrar a virgindade perdida; favor devolver!” é a piada recorrente entre os guias turísticos e a população local.

Entre as locações utilizadas pela novela, estavam o Beach Park, que abrigou o fictício Gran Parque Gitano. A novela se aproveitou das obras de ampliação no parque real, para ambientar as cenas de construção do fictício. Também as dunas da belíssima praia do Cumbuco, onde foram gravadas cenas do romance de Cassiano (Márcio Garcia) e Dalila (Carla Marins). Walther Negrão, que acompanhou as primeiras gravações em Fortaleza, declarou na ocasião que, apesar da ambientação, toda a produção estava se esforçando para que a novela não fosse regionalizada em excesso.

A chuva atrapalhou as primeiras cenas de Tropicaliente em Fortaleza. A equipe de produção se viu obrigada a preparar quatro roteiros de gravações: um para o sol, outro para chuva, mais um para chuva fina, e outro para chuva em apenas um período do dia. A equipe técnica acordava às 04h30 e os atores, às 6h.

Del Rangel participou da primeira equipe de direção convocada para a novela. No Jornal do Brasil de 19 de fevereiro de 1994, o diretor declarou, sobre o tom da sinopse: “Vamos para o Ceará bonito, produtivo; da indústria da pesca de lagosta e do turismo”. Del também comentou o estilo de direção que pretendia adotar: “Digo que essa novela vai ser multifacetada. Cada núcleo terá um comportamento diferente de fotografia, câmera e marcação dos atores. Vou usar alguns clichês. Na relação dos jovens quero algo tipo comercial de jeans: muitas coisas em poucos segundos; imagem um pouco suja. No núcleo dos pescadores penso em planos sequência que traduzam o tempo do mar; o povo mais absorto”. Desconhecemos o motivo pelo qual Del acabou deixando a equipe da trama, formada por Gonzaga Blota, Marcelo Travesso e Rogério Gomes, com núcleo de Paulo Ubiratan.

As primeiras listas de elenco de Tropicaliente traziam Esther Góes e Jofre Soares; ele, como o Velho Buja, personagem vivido por Nelson Dantas. Carolina Dieckmann, que havia estreado no ano anterior com Sex Appeal e integrava o elenco de apoio de Fera Ferida, fora solicitada para integrar a produção e dispensada da novela das oito, a pedido de Paulo Ubiratan.

Durante a pré-produção, Tropicaliente fora remanejada das 18h para às 19h, em substituição à Vira-Lata, novela de Carlos Lombardi. A novela que ocuparia o lugar de Olho no Olho passou por problemas de produção, que incluíam o excessivo número de cachorros necessários para as gravações. Com a aprovação do remake de A Viagem, no entanto, Tropicaliente voltou para o horário das seis. E levou consigo a jovem Natália Lage, então cotada para Vira-Lata.


Márcio Garcia (Cassiano), que em Tropicaliente fazia sua estreia em novelas, atuava também como apresentador do MTV Sports.

Tropicaliente foi um sucesso comercial.  A fabricante de brinquedos Jak lançou um jogo de tabuleiro no qual promoviam um passeio pela aldeia de pescadores da trama. A Azaleia, na esteira da boa repercussão dos figurinos da trama, lançou uma sandália com a marca Tropicaliente.


O sucesso também se deu no mercado externo. Tropicaliente se tornou a novela brasileira de maior sucesso na Rússia. Conhecida por lá como Tropikanka, a trama fez o público vibrar com a beleza de Sílvia Pfeifer, Carolina Dieckmann e Carla Marins. A repercussão foi tanta que o canal OPT, que transmitiu a novela, estreou Mulheres de Areia na sequência da obra de Walther Negrão, dando à ela o título de Tropikanka 2.

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